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Fátima e um Deus do DeveHaver


13 | 05 | 2012   21.56H

Isabel Stilwell | editorial@destak.pt

Em ano de crise, o 13 de Maio em Fátima contou com mais peregrinos do que nunca. As reportagens das televisões colocaram todo o enfoque em quem lá estava a pedir a Nossa Senhora um milagre, sob a forma de um emprego, dinheiro para pagar o empréstimo da casa ou soluções para outras tragédias resultantes da situação financeira do Pais. Em certos momentos parecia uma sondagem à porta das urnas, uma avaliação ao exercício da Troika, ou entrevistas a manifestantes frente a S. Bento (de facto, também santo, reparo agora).

" Esta a contar que a oiçam?" perguntava a repórter a uma mulher, suponho que por ter esgotado as perguntas inteligentes, para minutos depois insistir com um  homem "Mas já tem feito outros pedidos e não foi atendido, porque é que continua a vir aqui ?". Só faltava perguntar-lhe o número da senha, para verificar no placard eletrónico se ainda tinha muitos pedinchões à frente, ou sugerir-lhe o Livro de Reclamações do Santuário. Afinal prometem, prometem e depois vai-se dali de mãos vazias ?!?

Fico sempre angustiada perante esta Fátima, de cunhas e pedidos, de uma Fé aparentemente apenas baseada na troca - " Venho aqui pedir, os joelhos desfeitos em carne viva, e em troca dás-me me aquilo que te peço", como se Nossa Senhora tivesse um fetiche por joelhos esfolados, num Deve e Haver que pende sempre a favor de um Deus discricionário, que decide a seu bel prazer quem quer, ou não, atender.
Fui educada para um Deus que nos deseja livres, e que por isso não entra na vida das pessoas como um bombeiro a apagar fogos, da forma que não muda as regras a meio do jogo, transferindo o tsunami para cima de uns coitados que se esqueceram de o bajular com oferendas. Ir a Fátima será para muitos, acredito, um momento de pausa, reflexão,  numa experiência de comunhão e pertença, capaz de reforçar a capacidade de cada um para a descoberta de soluções para os seus problemas, ou para aceitar as adversidades. Mas oito toneladas de velas vendidas? Pelo menos os fabricantes e os lojistas vão acreditar que as suas preces foram ouvidas!

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