Avançar para o conteúdo principal


"União Europeia lança Corpo de Solidariedade para jovens até aos 30 anos

Jovens entre os 18 e os 30 anos podem inscrever-se a partir de quarta-feira em portal para ter uma experiência como voluntários, estagiários ou trabalhadores."



"Para ter uma experiência como voluntários"...Nem de propósito.

Agora que aguardo, com uma calma surpreendente, por mais notícias sobre a Missão Timor, rezo muito o que responderei à fatídica pergunta "Por que estás aqui?".

Lembro-me da formação da Missão Moçambique em que nos perguntaram isto. Lembro-me de duas respostas continuamente repetidas " Para conhecer novas realidades" e "porque quero experimentar". Depois da nossa missão, tive o privilégio de fazer parte da formação de todos os grupos que nos seguiram - um para Moçambique, dois para Timor. A fatídica pergunta era sempre colocada. Lembro-me de duas respostas continuamente repetidas "Para conhecer novas realidades" e "porque quero experimentar". Nunca percebi estas respostas. Dão-me uma certa comichão, aliás.

O voluntariado, seja ele missionário ou não, assenta num princípio que para mim é absolutamente fundamental. Voluntariado é o tempo que não temos e que ainda assim damos. E isto, apesar de parecer banalíssimo, porventura dos mais baratos clichés, tem muito que se lhe diga. Este tempo que não temos, poderia ter sempre outro destino, uma segunda via. Este tempo que não temos seria o nosso tempo, para as nossas coisas, para os nossos, os que amamos, família, amigos, os que não o são ainda mas podem vir a ser. Um tempo que, por isso, seja por que motivo for, à partida, não seria mal empregue. Deduza-se assim que ninguém escolhe abdicar deste tempo com leviandade. Ninguém "escolhe abdicar"... Creio que digo bem (é raro mas acontece). Escolher implica compromisso ("com promessa"). Um compromisso logo à partida com os riscos ou as consequências que advém tanto do que escolhemos como do que escolhemos não escolher. Isto é importante. Abdicar. Implica que sabemos, e que assumimos, com risco e consequência, que renunciamos a algo melhor ou, pelo menos, mais confortável para nós. Isto é importante. "Abdicar para dedicar".

Dito isto, como é que se diz que se "quer experimentar"? É que podemos, e devemos, juntar a isto algo ainda maior. Este tempo que não temos e que damos é dado efetivamente a alguém. É dedicado a alguém. Este alguém terá um nome, um rosto, uma vida, na qual nós, por escolha própria, entramos. Tornamo-nos responsáveis. Irremediavelmente responsáveis por aqueles que cativamos. É neste contexto que surge a minha admiração pela questão "preparo um café ou preparo a minha vida?". No voluntariado isto é e tem de ser uma não questão. Escolhemos estar. Escolhemos entrar. Escolhemos. Não é um encontro fortuito. As pessoas não se experimentam. Muito menos depois de compromisso assumido.

O voluntariado tem este senão: muitas vezes não sabemos a quem vamos. Chegada a este ponto, encho-me sempre da maior alegria por ter fé. Sei por quem, em nome de quem vou. Sei com quem vou, com Aquele que acompanha sempre. Sei que vou aos que já são por Ele conhecidos e amados. Fico reduzida à mesma condição. Já não há pobrezinhos, coitadinhos. Já não há pessoas que se experimentam. Existem irmãos.

Só hoje percebi a razão pela qual quando voltei de Quelimane dei ao testemunho que me pediram para escrever o título de "Onde está o teu irmão?". Percebi o porquê de ao longo desse mesmo texto ter escrito, repetidamente, para que marcasse tanto quanto me marcou a mim, "Em Moçambique encontrei o meu irmão quando...". Lembro-me como se o escrevesse agora. Era essa a resposta. É essa resposta. "Por que estás aqui? - "Para encontrar o meu irmão". 

Comentários

Mensagens populares deste blogue

Não é uma sugestão, é um mandamento

Nos Evangelhos Sinóticos, lemos muito sobre as pregações de Jesus a propósito do «maior mandamento». Não é a grande sugestão, o grande conselho, a grande linha diretiva, mas um mandamento. Primeiro, temos de amar a Deus com todo o coração e com toda a nossa força, sobre todas as coisas. Ao trabalhar com os pobres camponeses da América Central, que não sabiam ler nem escrever, a frase que eu sempre ouvia era: «Primero, Dios». Deus tem de ser o primeiro nas nossas vidas, depois, todas as nossas prioridades estão corretamente ordenadas. Não amaremos menos as pessoas, mas mais, por amar a Deus. A segunda parte do «maior mandamento» é amarmos o próximo como a nós mesmos. E Jesus ensina-nos, na parábola do Bom Samaritano, que o nosso próximo é esse estrangeiro, esse homem ferido, essa pessoa esquecida, aquele que sofre e, por isso, tem um direito acrescido sobre o meu amor. Jesus manda-nos amar os estranhos. Se só saudamos os nossos, não fazemos mais do que os pagãos e os não cr
Talvez eu seja O sonho de mim mesma. Criatura-ninguém Espelhismo de outra Tão em sigilo e extrema Tão sem medida Densa e clandestina Que a bem da vida A carne se fez sombra. Talvez eu seja tu mesmo Tua soberba e afronta. E o retrato De muitas inalcançáveis Coisas mortas. Talvez não seja. E ínfima, tangente Aspire indefinida Um infinito de sonhos E de vidas. HILDA HILST Cantares de perda e predileção, 1983

Oh Senhor

Ó Senhor, que difícil é falar quando choramos, quando a alma não tem força, quando não podemos ver a beleza que tu entregas em cada amanhecer. Ó Senhor, dá-me forças para poder encontrar-te e ver-te em cada gesto, em cada coisa desta terra que Tu desenhaste só para mim. Ó Senhor, sim, eu seu preciso da tua mão, do abraço deste amigo que não está. Dá-me luz, à minha alma tão cansada, que num sonho queria acordar. Ó Senhor, hoje quero entregar-te o meu canto com a música que sinto. Eu queria transmitir através destas palavras. Fico mais perto de ti.