Avançar para o conteúdo principal

Não é Ele que vem, somos nós que vamos!



Estamos demasiado habituados a associar a palavra “advento” com vinda ou chegada. Por isso, consideramos este tempo como a preparação para o nascimento de Jesus ou Natal. Porém, é possível associar a palavra latina “adventus” àquilo que ela deu origem em italiano, “avvenire” e, francês, “avenir”, isto é, futuro. O advento é o nosso futuro. Podemos assim virar a nossa atitude espiritual de uma “espera” para uma “marcha”: não é Ele que vem (já veio! Já está aqui!), somos nós que vamos. Caminhamos para o futuro, não esperamos que ele chegue até nós. Não esperamos que chegue “aqui”, vamos nós para “lá”.

A Oração Colecta deste 1º Domingo do Advento diz mesmo: “Despertai, Senhor, nos vossos fiéis a vontade firme de se prepararem (…) para ir ao encontro de Cristo”. A profecia de Isaías (2,1-5), afirma “o monte do templo do Senhor se há-de erguer (…); ali afluirão todas as nações (…), dizendo: ‘Vinde, subamos ao monte do Senhor’ ”. É o mesmo gesto a que nos convida o Salmo (121), recitado nas peregrinações a Jerusalém: “Vamos com alegria para a casa do Senhor”. Não fiquemos aqui sentados à espera, vamos nós adiantar caminho ao Seu encontro.

Esse mesmo texto de Isaías, tão alegre, tão “optimista”, que profetiza o fim das guerras e o cuidado da terra… “converterão as espadas em arados e as lanças em foices”, foi escrito estando Jerusalém esfomeada pelos impostos, sob o espectro da guerra, esmagada pelos estrangeiros. Em 734 a.C., o rei em Samaria e o rei de Damasco, assediaram Jerusalém e o rei Acaz pediu apoio a Tiglat-Pileser da Assíria; o resultado foi uma pesada taxa em ouro e, desta forma, a cidade e o povo ficaram em necessidade. Isaías anuncia a esperança, não é agora o fim, nem Jerusalém nem nós acabamos hoje e aqui… “sucederá nos dias que hão-de vir”. Existe futuro, existe advento… mas não esperemos de braços cruzados, “vinde, subamos ao monte do Senhor”.

Este não é um momento para ficar tristes, enregelados, “à espera de tempos melhores”. Este é um tempo para agir. Na Carta aos Romanos (13,11-14), Paulo escreve: “vós sabeis em que tempo estamos: chegou a hora de nos levantarmos do sono (…) a noite vai adiantada e o dia está próximo. Abandonemos as obras das trevas (…) revesti-vos do Senhor Jesus Cristo”. Enquanto o outono avança para o inverno e a natureza entra em letargia, somos convidados a sacudir das costas o frio, a nostalgia, a preguiça e a caminhar decididamente ao encontro de Cristo. É hoje, já hoje, que é preciso mudar a nossa atitude interior mais profunda, andar para a frente. Há mais de 1.600 anos, esta mesma leitura provocou uma mudança radical de vida num homem chamado Agostinho que, abandonado o pecado e decidindo-se pelo baptismo, tornou-se num dos maiores santos e teólogos da Igreja. Qual será o efeito destas palavras em nós? Há pelo menos 443 anos que esta mesma leitura é proclamada sempre no primeiro Domingo do Advento pois aparece já no Missale Romanum de 1570! Quantas vezes já a ouvimos nós?

O cristão não é uma pessoa sonolenta, que passa pela vida sem a tomar nas mãos. Em vez disso, está sempre alerta para agarrar a oportunidade e saltar para a frente. Eis a advertência de Jesus (Mt 24,37-44): “Estai vós também preparados, porque na hora em que menos pensais, virá o Filho do Homem”. Jesus repreende uma geração que vive sem reflectir, anestesiada pelos problemas ou pela comodidade, uma geração que se assemelha àquela dos tempos de Noé, que não fazia nada propriamente mau: “comiam e bebiam, casavam e davam em casamento, até ao dia em que Noé entrou na arca e não deram por nada”. O seu único pecado foi que “não deram por nada”, viviam distraídos, sem olhar para o que realmente importa.

Ubi sumus in via? Convém descobrir em que parte do caminho estamos. Convém aproveitar o tempo, caminhar e encurtar a distância que ainda nos separa do encontro com o Senhor. São Paulo, na 2ª carta a Timóteo (4,8), descreve os cristãos com uma palavra muito bonita de que gosto tanto: os cristãos são os “amantes da vinda do Senhor”. Esse amor é capaz de dar a volta a tudo, de virar as leis da economia e do lucro, da sociedade e da política; esse amor é tão forte que dobra a lei da gravidade e faz as nações “afluir”, como os rios… para cima! para o monte do Senhor (2,3).

Comentários

Mensagens populares deste blogue

Não é uma sugestão, é um mandamento

Nos Evangelhos Sinóticos, lemos muito sobre as pregações de Jesus a propósito do «maior mandamento». Não é a grande sugestão, o grande conselho, a grande linha diretiva, mas um mandamento. Primeiro, temos de amar a Deus com todo o coração e com toda a nossa força, sobre todas as coisas. Ao trabalhar com os pobres camponeses da América Central, que não sabiam ler nem escrever, a frase que eu sempre ouvia era: «Primero, Dios». Deus tem de ser o primeiro nas nossas vidas, depois, todas as nossas prioridades estão corretamente ordenadas. Não amaremos menos as pessoas, mas mais, por amar a Deus. A segunda parte do «maior mandamento» é amarmos o próximo como a nós mesmos. E Jesus ensina-nos, na parábola do Bom Samaritano, que o nosso próximo é esse estrangeiro, esse homem ferido, essa pessoa esquecida, aquele que sofre e, por isso, tem um direito acrescido sobre o meu amor. Jesus manda-nos amar os estranhos. Se só saudamos os nossos, não fazemos mais do que os pagãos e os não cr
Talvez eu seja O sonho de mim mesma. Criatura-ninguém Espelhismo de outra Tão em sigilo e extrema Tão sem medida Densa e clandestina Que a bem da vida A carne se fez sombra. Talvez eu seja tu mesmo Tua soberba e afronta. E o retrato De muitas inalcançáveis Coisas mortas. Talvez não seja. E ínfima, tangente Aspire indefinida Um infinito de sonhos E de vidas. HILDA HILST Cantares de perda e predileção, 1983

Oh Senhor

Ó Senhor, que difícil é falar quando choramos, quando a alma não tem força, quando não podemos ver a beleza que tu entregas em cada amanhecer. Ó Senhor, dá-me forças para poder encontrar-te e ver-te em cada gesto, em cada coisa desta terra que Tu desenhaste só para mim. Ó Senhor, sim, eu seu preciso da tua mão, do abraço deste amigo que não está. Dá-me luz, à minha alma tão cansada, que num sonho queria acordar. Ó Senhor, hoje quero entregar-te o meu canto com a música que sinto. Eu queria transmitir através destas palavras. Fico mais perto de ti.