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Gonçalo M.Tavares
DN 30.12.2012
DN 30.12.2012
- A importância do desenho.
- Este desenho de 1605 mostra um cordeirito a nascer de um tronco de árvore. Está a vê-lo?
- Acreditava-se que os animais nasciam do solo, como as plantas.
- De qualquer maneira, a ideia de que os animais poderiam nascer de árvores é interessante.
- Sim?
- Sim. Em vez de árvores de fruto, árvores de animais. Árvores de mamíferos, árvores de répteis, árvores de crustáceos, etc.
- Das árvores grandes nasceriam os animais de grande porte, e das minúsculas nasceriam os animais de tamanho tímido.
- Por exemplo... dos bonsai?
- Sim, dos bonsai?
- Que animal imagina Vossa Excelência a nascer de um bonsai? E de uma laranjeira?
- Caríssimo, que questões difíceis.
- Mas regresso ao início e repito: Em tempos que já lá vão, acreditava-se que os animais nasciam do solo, como as plantas.
- Acreditava-se, meu caro, porque se podia desenhar.
- Exacto. O desenho era a grande prova científica. Não havia fotografias. O desenho tinha a função da actual fotografia ou das imagens em movimento Era uma prova.
- Se podes desenhar algo, é porque esse algo é real.
- Uma bela definição de desenho e de realidade, Excelência.
- É real, aquilo que eu posso desenhar.
- É ficção, aquilo que eu não consigo desenhar.
- Mas se é assim temos um problema.
- Qual?
- É que tudo é desenhável?
- Tudo?
- Sim, tudo.
- Um bom desenhador faz o que quer com o seu lápis. Se quiser pôr um elefante a voar nada mais fácil. Quer ver? [E desenha].Vê?
- Isso é um elefante a voar?
- É. Está a voar exactamente a meio do céu. Ou melhor: exactamente a meio caminho entre a terra e o limite máximo do céu.
- Muito bem, Excelência, que exactidão no desenho.
- Mas deixe-me dizer a Vossa Excelência que talvez o desenho permita outra definição.
- Qual?
- Tudo o que é desenhável é imaginável. Eis a definição. Vossa Excelência pode desenhar tudo o que pode imaginar, mas não quer dizer que tal seja real.
- Só pode desenhar um elefante que voa porque pode imaginar um elefante que voa. É isso?
- O desenho prova, então, apenas o que existe na imaginação. Não na realidade.
- Mas continuo a pensar que há coisas não desenháveis.
- Por exemplo?
- Deus.
- Bem, se Deus está em todas as coisas, Vossa Excelência desenhando uma cadeira está a desenhar Deus.
- E se aperfeiçoar o desenho da cadeira está a aperfeiçoar o desenho de Deus.
- Pois sim.
- E se Deus for algo que está acima de todas as coisas, então desenhe todas as coisas numa folha de papel e pense que Deus começa exactamente no sítio onde a folha de papel acaba.
- É uma definição possível.
- Nesse caso, Deus estaria acima dos nossos desenhos.
- Essa é uma definição possível de Deus, sim - e uma bela definição! Acima dos nossos desenhos.
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